sexta-feira, 3 de maio de 2013

As mais verosímeis entrevistas

Em prol de alguma reflexão, por vezes pelos ínvios mas amistosos caminhos do humor, aqui fica um recorte “jornalístico”  com interessantes diálogos sobre a nossa relação com as demais espécies. Digno do National Geographic.*
 
TZ – Obrigada por nos disponibilizar breves instantes. Gosta de animais?
O Esbaforido – Sim, pá claro…O meu cãozinho, aquilo é o máximo! Um amigo!
TZ – Qual é a sua opinião sobre o facto dos seres humanos se alimentarem à custa do sacrifício dos animais, aos milhões, aos biliões?
O Esbaforido – Eh pá…É assim…A gente alguma coisa tem de comer, e sempre assim se fez.
TZ – Mas há muitos médicos, nutricionistas, investigadores, estudiosos, que nos asseguram que não é necessário o consumo de produtos de origem animal para vivermos e para sermos saudáveis, para além do exemplo de tantos vegetarianos e vegans pelo mundo fora que respiram saúde e que até se livraram de muitos medicamentos com os seus hábitos alimentares! E a FAO já aprovou a dieta vegan.
O Esbaforido – Ãh?.. Pois isso não sei, só sei que alguma coisa a gente tem de meter para o saco senão pá…ah ah Está a ver. Tenho mesmo de ir agora ãh?, sorte!

 
TZ- Muito obrigada por nos conceder a sua atenção. Tem algum animal doméstico?
O Contemplativo – Não tenho. Mas aprecio.
TZ – Aprecia por gostar de animais, ou pela relação interessante que se estabelece entre estes e nós, seres humanos?
O Contemplativo – Por ambas as razões. Os animais são muito dedicados, engraçados, e ajudam-nos a sociabilizar. (Eu pessoalmente detesto a massa, se me permite o desabafo, e gosto de viver de forma independente, mas as virtudes dos animais são inegáveis).
TZ – E qual é a sua perspectiva sobre o morticínio massivo de animais para consumo humano? Como sabemos, há estudos diversos, e exemplos práticos que confirmam a não necessidade de carne, peixe, produtos animais e de origem animal para a nossa saúde.Há alimentos alternativos e até suplementos para a vitamina B12 – da qual carecemos em pequenas quantidades.
O Contemplativo – (pausa) Bom, há estudos que dizem tudo. E infelizmente, a morte é certa. Como diz o povo, lá teremos de morrer de alguma coisa. É muito triste, a morte, mas é um facto. Fatídico. (Sorriso lúgubre e muito delicado.)
TZ – Sendo a morte inevitável (mas “prognósticos só no final do jogo” eh eh ), o sofrimento pode ser evitável ao máximo. Será que estamos a dar o nosso melhor pelos nossos companheiros de Planeta não humanos?
O Contemplativo – Sem dúvida que não. (Pausa.) Não. Há muitos animais que são abandonados e até maltratados.
TZ - Mas mais ainda são mortos. Todos os dias. Para os comermos. E não precisamos. O que acha disso?
O Contemplativo – Na verdade acho que é uma tradição que nunca desaparecerá. São assim os tempos.
TZ – No entanto, o nosso olhar crítico sobre a forma de viver e sobre as pessoas que somos pode mudar as tradições. Ou não?
O Contemplativo – (pausa) Pode ser que sim. Pode ser que não. Quem sabe? (Sorriso bondoso.)
TZ – Cada um de nós sabe?
O Contemplativo – Pois. Pode ser. São assim os tempos.
TZ – E, por exemplo, da sua parte, o que pensa que pode ou deve fazer quanto a esta situação?
O Contemplativo – Sinceramente, nada. Eu observo os tempos e vou vivendo.

 
TZ – Obrigada por parar e dar-nos uns momentos preciosos do seu tempo. O que é que acha da vida das vaquinhas , encurtada a 80 ou 90% para que as comamos? Entre outros animais, naturalmente.
O Abespinhado – Eh pá, se é para dar dinheiro às Associações de Animais isso não que a coisa está muito má por estes lados…
TZ – Não, nada disso. É apenas uma entrevista, aliás, uma troca de ideias. Já alguma vez deu consigo a pensar na vida e na morte desses animais? Das vaquinhas, por exemplo?
O Abespinhado – Pois mas elas existem mesmo para isso. Eh eh. É chato, realmente, a gente devia poder comer do ar mas não dá. Eu nem gosto de vacas pá.
TZ – E de cães, gatos, passaritos?
O Abespinhado – Tive um canarito por 10 anos e depois morreu olha, nunca mais tive nenhum. Era um bom compincha. Mas ele é ele e eu sou eu. Eh eh.
TZ – Não acredita que se estabeleça uma relação afectiva entre pessoas e animais? Entreajuda, carinho, amizade, respeito?
O Abespinhado – Ná pá! Eles são eles e nós somos nós. Vaquinhas, canarinho, cavalos, éguas, burros!...Eles são eles e nós somos nós, é assim. Sempre foi e sempre será.
TZ – E…hum…tem de ser assim por que razão, para além de ser tradição?
O Abespinhado – Oh pá sei lá, não leve a mal você é meio chata…Olhe, não leve a mal, vem aí o eléctrico, vou!...

 
TZ – Obrigada por nos dar este bocadinho. A senhora tem animais?
A Amável – Obrigada. Tenho sim, três gatinhos.
TZ – E consome animais?
A Amável (acercando-se) – Como diz?
TZ – Consome animais, costuma comê-los?
A Amável (quase em persignação) – Não, credo! Aos meus gatinhos, nunca menina!
TZ – Não, referia-me a outros animais. Vacas, porcos, atuns, por exemplo.
A Amável (sorrindo de alívio) – Oh, sim! Mas isso é diferente, esses são para comer!
TZ – Por exemplo, os hindus não comem vacas, são sagradas para a sua religião. Já viu como são pacíficas nos campos, como nos olham curiosas, como são ligadas aos seus filhotes? Qual é a diferença entre uma vaca e um gato?
A Amável – Pois, eu percebo, os animais sofrem. Mas há uns para comer e outros não, não é? Nós precisamos de alimento e de nutrientes, não podemos evitar.
TZ – Mas qual é a diferença, no seu ponto de vista, entre uma vaca e um gato?
A Amável – Bem, a vaca é um bicho muito grande, que não se dá em casas, mas no campo. São bichos criados para abater, coitadinhos, mas é essa a verdade.
TZ – Mas a senhora considera que a vaca, por exemplo, tem uma capacidade inferior de sentir dor, prazer, medo, conforto ou alegria que um gato?
A Amável – Sei lá coitadinhas. A gente também as vê sempre lá longe a pastar quando andamos pelas aldeias, não se percebe bem se estão contentes ou tristes. Certamente sentirão dor, são criaturas de Deus.
TZ – Falando em Deus, é de opinião que Ele concordaria com a forma como tratamos os demais animais, seres vivos como nós?
A Amável – Mas se Ele os criou foi para isso mesmo, menina. Penso eu. Eu não gosto de maltratar nenhum. Eu não mato nenhum.
TZ – Mas no fundo paga para alguém o fazer, pois consome-os.
A Amável – Bom, eu não pago para o fazerem. Eu vou ao mercado e eles já estão lá.
TZ – Em sinceridade, a senhora não acredita que há meios alternativos, hoje em dia, mais do que suficientes? Tofu, seitan, soja, todas as leguminosas, cereais, tempeh, cogumelos, e tantas mais coisas, para além da carne e do peixe? Ou melhor, não acredita que poderíamos, com a variedade de que hoje dispomos, viver com saúde sem matar animais?
A Amável (pausa) – Olhe menina, é possível. Mas é assim olhe.

 
TZ – Muito obrigada por aceitar esta breve entrevista. Hoje é o Dia Mundial do Animal e gostava de perguntar-lhe se não a choca a forma como os tratamos: animais abandonados, animais maltratados e, em quantidades incontáveis, animais mortos para nosso alimento.
A Moderna – A mim não me choca. É a lei da vida, é a cadeia alimentar.
TZ – Mas não considera que nós podemos mudar as leis da vida até certo ponto, desde que queiramos? E por que é que é uma lei? Temos direitos sobre as vidas de outros seres?
A Moderna – De outros seres humanos não, mas dos animais sim. Eles são irracionais e basicamente existem, enquadram-se nos seus ecossistemas mas existem para consumo. Senão nem existiam. Ia dar ao mesmo.
TZ – Mas acha mesmo que é o mesmo não existir por nunca ter sido concebido ou existir, sofrer, ser separado dos filhos, dos pais, penar mil torturas e dores físicas, medo, extrema ansiedade, e finalmente morrer sem o direito a uma vida, à vida que seria a sua se não lha tirassem?
A Moderna – Não, essas visões estão ultrapassadas. O Homem já convive perfeitamente com a ideia de ser um omnívoro, e há métodos de abatimento não cruéis.
TZ – Mas há-os muito cruéis, fora toda a forma como são criados. Imagine uma galinha a viver permanentemente com a dor de ter as suas patinhas em fios de arame enquanto põe ovos, ou uma vaca a ser engravidada constantemente para ter leite, e a chorar dias a fio pelos seus filhos que foram levados para, por sua vez, viverem em cubículos irrespiráveis para não ganharem músculo e permitirem a degustação da carne tenra. Poderemos chamar humanista a um sistema semelhante?
A Moderna – Dores e males há em tudo na vida. Temos de lidar com a ideia da finitude, do sofrimento e da morte.
TZ – Mas há sofrimentos e mortes evitáveis, e vidas deploráveis. Não acredita na liberdade de cada ser para usufruir do seu direito à vida?
A Moderna – Acredito acima de tudo na liberdade. Mas a liberdade não assiste aos animais.
TZ – Mas é isso mesmo que gostaria que me clarificasse. Não lhes assiste a liberdade por serem, como diz, irracionais, por não serem humanos?
A Moderna – É isso.
TZ – O facto de sentirem dor, prazer, medo, alegria, conforto ou alívio, de estabelecerem as suas próprias relações sociais e familiares, e de contribuírem, em muitos casos, para uma relação de ternura com os seres humanos não acrescenta um outro ponto de vista a essa perspectiva?
A Moderna – Não.

 
TZ – Obrigada por parar. Este dia não está fácil…Hoje é o Dia Mundial do Animal e gostava de saber se não considera uma insanidade sem nome, uma tremenda de uma sacanice, desculpe os termos, o que se faz com os animais diariamente. Maus tratos, morticínio, morticínio, morticínio…
O Atento - Obrigado. Eu não tenho animais. Mas não consumo animais. Há 10 anos. Como ovos e lacticínios mas estou a pensar tornar-me vegan, e já ando a ler muito a esse respeito.
TZ – (olhar no vazio) – Mas não considera que os animais têm, como nós, o direito à sua dignidade existencial?
O Atento (admirado) – Naturalmente! Por isso não os consumo.
TZ – Mas não considera isso uma contradição do caraças? Respeita-os muito, tem muita pena e pumba, consome-os?
O Atento (em direcção à estupefacção) – Mas minha senhora, justamente. Não os consumo.
TZ – (colérica) – Consome, consome! Acabou de dizer que os consome, que dá dinheiro para lhes racharem as cabeças, os cascos, estraçalharem as guelras, violentarem as vacas com máquinas toda a sua vida!
O Atento (tomando as rédeas ao problema) – Calma. Por favor. Eu já percebi tudo. É a habituação, não passa de uma alucinação auditiva. Minha senhora, por favor, leia os meus lábios, confie em mim: Eu NÃO como animais. Eu NÃO como animais, compreende agora? Simplesmente não os como. Há 10 anos. NÃO como.
TZ (de olhos esbugalhados e sentindo-se empalidecer e subitamente renascer) – Oh! Oh, mas mil, milhões de perdões. Por favor desculpe-me. Foi, como diz…o hábito. Turva-nos, tolda-nos, enlouquece-nos. Hum…Portanto, não come animais, não é?
O Atento (a sorrir francamente) – Não, não como, esteja tranquila. Há 10 anos. E gosto muito. Vivo muito bem assim, está tudo bem com a minha saúde, não tenho qualquer tipo de saudades de contribuir para o seu sacrifício. Durante muito tempo nem pensava nisso, mas depois de ter pensado…Não pude deixar de continuar a pensar. É viciante. (Sorriso caloroso.)
TZ – Oh…Muito obrigada. Não, não é? (Acrescento muito, muito tímido.)
O Atento (continuando a sorrir tranquilamente) – Não. Não como animais. Há 10 anos. Não. Mesmo.
 
Fosse esta a proporção! Um em seis. Durante muito tempo pouco diferente fui dos outros cinco.
 
Ah e... pensem um pouco em tudo isto. Pensar é viciante, e sentir ainda mais.
 
*Post publicado com ligeiríssimas alterações anteriormente, no meu blog Alegoria da Primaverve. TZ (Tamborim Zim, ou seja, esta que vos digita.)

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